
“Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.
À primeira vez que ouvi essa frase, na minha adolescência, julguei-a inspiradora e libertária. Cheguei a repeti-la algumas vezes, reforçando a falsa informação de que se tratava de uma citação de Voltaire.
Hoje, observando o estrago das fake news e do discurso de ódio em nosso país, sei que essa frase não contempla os perigos da pregação de uma liberdade de expressão irrestrita, que não observa os riscos da radicalização e do uso político e sujo das ferramentas de comunicação.
Somos agora um país dividido. A crescente defesa, às claras, de discursos nocivos e preconceituosos sob o pretexto da liberdade deu sua contribuição inequívoca para o crescimento de grupos extremistas, como neonazistas. Sofremos ainda uma tentativa de golpe de estado e agora convivemos com a possibilidades de ataques e massacres em nossas escolas.
O Paradoxo da Tolerância de Karl Popper explica bem o perigo que enfrentamos. Ele afirma que, para uma sociedade ser verdadeiramente tolerante, ela deve ser intolerante com a intolerância. Em outras palavras, se permitirmos que ideias intolerantes sejam aceitas e espalhadas, eventualmente essas ideias podem levar à destruição da própria tolerância e liberdade que a sociedade valoriza. Portanto, a sociedade deve ser capaz de identificar e combater ideias e comportamentos intolerantes para preservar a tolerância e a liberdade.
E onde essas ideias se proliferam hoje? Onde o discurso de ódio é mais facilmente disfarçado de liberdade de expressão? Onde está o ponto de encontro e a origem da radicalização? Nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem. E por quê?
Não é só a capacidade de indexação, agrupamento e veiculação de informações que faz da internet, hoje, um campo minado perigoso, em especial, para nossas crianças e adolescentes. Um dos fatores principais para isso está em algo chamado “algoritmo”, que nada mais é que um código que rege sobre a distribuição e alcance das informações postadas nas redes sociais.
As gigantes da internet têm seus interesses e disputam a nossa atenção e o nosso tempo online. Com constante coleta de dados, elas desenvolveram algoritmos poderosos e eficientes, capazes de compreender o nosso comportamento online e nos instigar a permanecer conectados, fornecendo mais dados e recebendo mais conteúdo direcionado, entre eles, publicidade.
E onde entra o discurso de ódio nisso tudo? A resposta é simples. A radicalização de pessoas é lucrativa. As fake news são clicáveis e compartilháveis. O pânico chama a atenção e gera acesso. Combater a formação de bolhas radicalizadas, a geração e o consumo dessas informações é ruim para os negócios. O exemplo mais recente da leniência das Big Techs para com esse problema foi quando a advogada do Twitter disse a representantes do governo brasileiro que um perfil com foto de assassinos de crianças não violava os termos de uso da rede social e que não configurava apologia ao crime.
Não há dúvida de que a responsabilidade pela proteção das crianças e adolescentes na internet precisa ser compartilhada entre pais, educadores, governos e as Big Techs. Estas precisam garantir proteção contra o discurso de ódio, com políticas claras e mecanismos eficazes para denuncia e remoção de conteúdo ofensivo. Colaborar com as autoridades é o mínimo.
Para finalizar, deixo aqui uma frase realmente de Voltaire que ilustra bem o efeito da desinformação em nossa sociedade:
“Uma vez que sua fé, senhor, o convence a acreditar no que sua inteligência declara ser absurdo, cuidado para que você também não sacrifique sua razão na condução de sua vida.” – Voltaire em Questões Sobre os Milagres.