“Não fazemos ideia de que a privacidade virou utopia; que pessoas, empresas e governos usam nossos dados pessoais para seus próprios fins, sem que tenhamos conhecimento.”
Estou agora no meu computador.
Meu e-mail está amontado de propagandas não solicitadas. Dia após dia, vejo um novo golpe virtual. A vida está na internet. A internet está um caos.
A tecnologia está em tudo. Ela veio para facilitar as nossas vidas, embora tenha lá suas condições em letras miúdas, que a gente não lê. Entre as preocupações, uma em especial vem sendo discutida e ninguém chega a qualquer conclusão: a questão da privacidade.
Ofertamos nossas informações em troca das facilidades que redes sociais e aplicativos nos proporcionam. Nós, porém, não fazemos ideia do que estamos entregando. Não compreendemos a dimensão “panóptica” da vigilância que se põe sobre todos nós por meio dos dados que produzimos e fornecemos constantemente.
Gosto de pensar a privacidade como um aspecto da liberdade. Não fazemos ideia de que a privacidade virou utopia; que pessoas, empresas e governos usam nossos dados pessoais para seus próprios fins, sem que tenhamos conhecimento.
E a tecnologia vai continuar a afetar a nossa privacidade, cada vez mais e de novas maneiras. Nossos dados são a commodity do momento. Com eles, coletam-se e analisam-se nossas informações pessoais e de uso da internet para se criar um perfil detalhado de nossos interesses e preferências. Usam esses perfis para personalizar não só anúncios que chegam até nós incessantemente, mas também conteúdo político.
Lembremos… a história nos ensina que um supostamente inofensivo teste de personalidade lançado nas redes sociais foi responsável pela coleta de dados de milhões de eleitores e posterior direcionamento de propaganda política para influenciar o resultado das eleições na maior e mais consolidada democracia no mundo.
Com novas tecnologias de inteligência artificial, todo um mundo novo de possibilidades e de consequências indesejadas está surgindo agora mesmo. Um dia desses no youtube vi alguém ensinando como você pode fazer seu anúncio chegar várias vezes somente para as pessoas que visitam a loja do seu concorrente.
Resta alguma dúvida que governos, inclusive no Brasil, em menos de 10 anos, estarão, por exemplo, usando vastamente a tecnologia de reconhecimento facial para monitorar e identificar indivíduos em locais públicos? Sabemos que a implementação de tecnologias assim serve o honroso propósito da segurança, mas eu confesso que sinto um frio na espinha só de imaginar o uso indevido ou criminoso dessas ferramentas.
A Lei Geral de Proteção de Dados não resolve o problema, mas o coloca em evidência e dá o tom da importância do debate sobre a equação tecnologia X privacidade. O uso indevido de dados pessoais por empresas é uma realidade, falhas de segurança em aplicativos e serviços online ocorrem constantemente, vigilância governamental e privada não deve ser ignorada por nós e a disseminação de desinformação e fake news já se provou um dos grandes problemas da nossa sociedade atualmente. O obstáculo principal, porém, é a velocidade com que as tecnologias evoluem.
Precisamos pensar na nossa relação geral com a tecnologia e em como garantir um nível salutar de proteção de nossas informações. Para além da regulamentação e das leis, urge fazermos com que cada indivíduo tenha a compreensão da importância de proteger os seus dados. Educar a sociedade acerca de questões de privacidade na era digital é uma necessidade.
Além disso, devemos cobrar de empresas e governos a devida transparência no trato com as informações que coletam e a proteção destes contra violações de segurança.
A razão disso tudo é uma só: se a privacidade é um aspecto da liberdade, a liberdade é um aspecto da democracia.