“A aversão à sua própria condição faz da nossa classe média um monstrengo neoliberal incoerente, hipócrita, medíocre e preconceituoso que é capaz de defender causas da elite para poder se julgar como tal.”
Há uma piada americana controversa chamada “Os Aristocratas”. Nela, uma família típica encena uma peça na tentativa de convencer o agente de talentos a aprovar o número artístico para exibição no teatro.
A história se desenrola com muita escatologia e impropriedades e finaliza quando o agente pergunta o nome da peça, ao que a família responde: “os aristocratas”!
Essa piada é uma espécie de estudo de caso de aspirantes a humorista ao redor do mundo. Ela usa a quebra de expectativa como ferramenta cômica. De tão pesada, acabou ficando restrita a apresentações em pequenos grupos.
Em 2005, foi lançado um documentário sobre esta que, até hoje, é considerada a piada mais suja do mundo. O filme conta com a participação de vários comediantes e suas versões da história, mantendo a sua essência depravada e a crítica ao elitismo. É sobre essa crítica que quero falar.
O elitismo é tanto uma ideologia quanto um sistema. Ele se dá através do favorecimento de um grupo minoritário de pessoas conhecido como “elite”. Esse favorecimento é geral, permeando, inclusive, a subjetividade dos indivíduos.
É o elitismo que faz com que até mesmo nosso compadecimento seja seletivo. Um exemplo claro disso é atenção que a imprensa e as pessoas dão a crimes contra brancos de classe média ao mesmo tempo em que ignora a morte sistemática de pretos e pobres.
Uma curiosidade acerca do elitismo no Brasil é que ele parte, de maneira geral, da classe média, como empreendedores, servidores públicos, empregados e profissionais liberais, ou seja, daqueles que não são a elite, mas assim se compreendem. Advogados, médicos, pequenos e médios empresários, advogados e juízes, porém, estão bem mais próximos da extrema pobreza que da elite. E é essa proximidade que os apavora.
A classe média, portanto, emula a vida e os interesses da elite para afirmar a si mesma que não é subalterna, pois é, realmente, como se sente. A aversão à sua própria condição faz da nossa classe média um monstrengo neoliberal incoerente, hipócrita, medíocre e preconceituoso que é capaz de defender causas da elite para poder se julgar como tal.
E a elite, quem é? Parafraseando a banda maranhense Tribo de Jah, a elite são “os donos do poder” e “os cérebros do sistema”. Um empresário que se diz patriota e sonega imposto certamente não está nessa categoria.
E quais são os efeitos do nosso elitismo para além da vazia celebração da riqueza? Eu digo. Ao mesmo tempo em que valoriza uma casta, o elitismo desvaloriza outra. Sem o outro para empurrar para baixo, a falsa elite brasileira não sobe. O resultado é discriminação, desigualdade, injustiça e exclusão… é a infâmia dos que abrem a boca para perguntar: “você sabe com quem está falando?”
Sempre que ouço essa frase, é inevitável para mim não lembrar de “os aristocratas”, um piada, aliás, bem menos suja que a nossa realidade.