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Entrevista: Monja Coen

Num momento muito difícil, precisei parar tudo e me concentrar na minha saúde mental. 

Eu não sabia que me castigava todos os dias com aflições e preocupações inúteis. Ignorei todos os sinais e, quando me dei conta, já estava num hospital em Teresina, deitado numa maca com uma sensação terrível de perigo. 

Pedia socorro. A enfermeira colocava eletrodos em mim. O médico me avaliava. Eu estava em desespero. Era um ataque de pânico. 

Foi na terapia que tive meu primeiro contato com a meditação. Desconfiei, como bom (?) cético, e busquei mais informações. Com técnicas básicas, descobri uma nova perspectiva para as minhas próprias angústias. 

Aprendi a estar mais atento e a ser mais presente no dia-a-dia. Assim, pude olhar para trás com olhos de gratidão por tudo que vivi, bom ou ruim, pois não fossem as conturbações, mal eu saberia experimentar os momentos especiais, tampouco teria qualquer ideia de como melhorar como pessoa. 

Esse caminho para dentro dentro de mim não foi nem está sendo fácil. Não é simples desconectar. Sinto-me preso numa teia de algoritmos. Quanto mais me desvencilho, mais fica claro que essa armadilha não tem fim. Já não vejo mais a clara linha que outrora dividia os mundos real e virtual. 

E hoje, confesso, foi uma dia e tanto nessa empreitada de reconectar-me. Eu tive uma conversa engrandecedora com a Monja Coen, que esteve na capital do Piauí para participar da XX Semana Institucional do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-22) com a palestra “Qual é a sua pergunta verdadeira”

Doce e iluminada, recebeu-me com as mãos em prece e um sorriso verdadeiro, tendo ao lado seu amigo e anfitrião na cidade, o budista Paulo de Tarso. Seus dois cachorrinhos nos mostraram o caminho da sala de meditação, onde seria nosso bate-papo.  

Tiramos os calçados e entramos. Brinquei sobre a felicidade de estar usando meias novas, sem furos. Um dos cachorros pulou no colo da Monja e recebeu carinho. A entrevista começou.

Bom dia, é um prazer imenso estar aqui com você, uma honra até. Eu gostaria de começar lendo um poema que eu fiz para lhe apresentar. No final você me disse gostou, está bom?

MONJA COEN Obrigada!

Tenho ao meu lado
Uma pessoa do bem
Que muito tem
Para nos ensinar
Ela é forte e zen
É sã e… mantém
Um doce brilho
No olhar
De pura gentileza
E humildade
Carrega um sorriso
Com tal vitalidade
Que ilumina
A sala inteira
Ela foi a primeira
Pessoa de origem não japonesa
A ocupar, com presteza,
Como jamais se viu
A Presidência Da Federação
Das Seitas Budistas do Brasil
Jornalista, influenciadora
Aprendiz, professora
Seu Karma… é a bondade
É líder da Comunidade
Zen Budista Zendo Brasil
E missionária oficial
Da importante tradição
Zen-budista Soto Zenshu
Com sede no Japão.
Seu nome é Monja Coen
E viver o Dharma é sua missão

Dário Castro, 31/03/2023

MONJA COEN Nossa, que lindo! Muito Bom… Parabéns!

Eu já tive o diagnóstico de transtorno de ansiedade. Eu sempre fui uma pessoa muito ansiosa. Busquei ajuda profissional, terapia, e uma das coisas que me ajudaram foi a meditação. Apesar da minha meditação ser, como diz no Piauí, “meia-boca”, quando eu percebia que a ansiedade estava batendo, eu me recolhia e fazia meditação. Dito isto, eu gostaria de lhe perguntar, como é que o Budismo vê a ansiedade, se é uma questão da nossa sociedade ou só uma coisa mais individual e como os princípios budistas podem nos ajudar a superar a ansiedade?

MONJA COEN Ansiedade tem tanto social, coletiva, como individual. Nós estamos numa sociedade que exige muito de nós, né? E a tecnologia, ela veio pra ajudar, mas ela também nos faz ter tantas informações ao mesmo tempo. Se nós não prestarmos atenção e querermos saber de tudo, nós vamos ficar muito ansiosos, porque não dá pra saber tudo. Tem certos limites, nós temos que dar os limites para nós. E é uma cobrança social muito grande também, do nosso papel, das nossas ações, do nosso sucesso. Então, tudo isto, a sociedade como um todo, o mundo atual como um todo, nos provoca um estado de ansiedade. E tem as questões individuais de cada um. O metabolismo de cada um que não é igual. Agora, o que é interessante que eu vejo na prática meditativa é que você entra em contato com essa ansiedade. Você não foge dela. Você reconhece. Na hora que você percebe, “nossa, estou muito ansiosa”, o que que acontece? Minha respiração fica alta, ela fica pulmonar. “Preciso fazer coisas” e começa a fazer as coisas muito rápido e afalar muito rápido. E aí a gente para, como você bem falou, né? A gente para e respira, volta para o eixo de equilíbrio e continua. De repente, vai acelerando, acelerando de novo, “nossa, acelerei demais”. Volta para o eixo de equilíbrio. E existe o oposto também. As pessoas, que por causa da ansiedade, e querendo retrair essa ansiedade, entram no sistema oposto disso, “não faço nada, porque eu não posso ficar ansioso”, né? Então, tem que ficar quietinho, tem que ficar parado, isso também não é bom. O importante é encontrar o eixo de equilíbrio. Agora, uma certa ansiedade é importante, né? Senão a gente não produziria nada.

Falando da nossa relação com a ansiedade, trago uma questão atual, que são as redes sociais. Elas trouxeram muitas coisas boas. Por exemplo, a gente pode olhar lá o seu Instagram e ficar zen, mas ao mesmo tempo a gente já viu que as empresas das redes sociais usam o mecanismo de nos viciar através das dosagens pequenas de dopamina. Então, eu gostaria de perguntar, é mais difícil ser Zen hoje em dia do que antes das redes sociais?

MONJA COEN Não, eu acho que não, mas eu acho que a gente aprende a medir isso. É um brinquedo novo, né? Os celulares, as redes sociais, são brinquedos novos e, como toda criança, nós ainda somos muito crianças, vamos dizer… emocionalmente, a gente quer usar o brinquedo, “vou brincar, vou brincar, vou brincar”. A gente cansa, como cansamos de qualquer brinquedo. Chega um momento que você fala, “não, agora é demais”. E aí você começa a entrar no eixo de equilíbrio e usar o quanto é necessário para você obter o que você quer. E essa dopamina que você fala é bem interessante isso mesmo, porque é usado dessa forma. Os algoritmos vão lá, percebem o que a gente gosta e vão dando aos pouquinhos, e a gente fica bem viciadinho mesmo. Eu já tive momentos, não para ver quantos seguidores, isso eu nunca prestei muita atenção mesmo, mas as notícias que tão chegando, o que está acontecendo e de repente você fala, “pera um pouquinho, eu posso ficar alguns momentos do meu dia sem receber nenhuma notícia. Eu posso ficar alguns momentos do meu dia sem saber quem telefonou, quem não telefonou”. E hoje em dia meu celular toca menos. Porque eu parei de ficar ligada o tempo todo, mas é uma escolha minha. E nós temos que fazer essas escolhas na vida. Senão vai ficar desesperado. “Eu vou atender todo mundo. Vou falar com todo mundo. Vou responder a tudo que me perguntam”. Tem limites. Às vezes as pessoas não gostam, “ah eu escrevi para a monja e ela não respondeu”. Mas está tudo bem, porque a resposta não é da monja. A resposta é da pessoa. E a pessoa, se sabe fazer a pergunta, ela vai encontrar a resposta. Por isso que a minha palestra vai ser exatamente isso: “Qual é a sua pergunta verdadeira”? Porque, se eu sei fazer a pergunta eu encontro a resposta. Mas se eu não sei nem perguntar, como, por exemplo, você vai numa aula, e você não entende nada do assunto. O professor: “entenderam? Tem alguma pergunta”? Não tem pergunta nenhuma. Os alunos não entenderam nada ou são gênios, não é? Então, sempre tem essa pergunta que nos estimula a dar continuidade e não pode calar, tem certas perguntas que não podem calar, né? Qual o sentido da vida hoje? Para mim, hoje, para você hoje. Qual é o sentido hoje da sua existência? Não é o mesmo de quando você tinha dez anos de idade, de quando você era um bebezinho, de quando você vai ter noventa anos de idade. Quais são os sentidos diferentes da nossa existência? Existe uma coisa que é uma linha que perpassa tudo isso, que é a procura da verdade, né? O que é verdade?  

Nós estamos falando do Dharma agora?

MONJA COEN Do Dharma, sim.

Eu gostaria que você explicasse um pouquinho mais sobre o que é o Dharma.

MONJA COEN Nós dizemos que tem três coisas preciosas e sagradas. O Buda, o Dharma e o Sangha. Buda, que significa “o ser que acorda, que desperta”. Então, é um ser humano, como qualquer um de nós, que acorda, que desperta. A palavra Buda, a origem dela é o mesmo que “desabrochar”, como uma flor que se abre. Então, a nossa mente, ela pode se abrir à verdade e à percepção clara do que está acontecendo. E uma ação decisiva para o bem. Isso é a mente Buda. Agora o que o Buda histórico vai ensinar, vai ser chamado Dharma. Primeira coisa, a lei da causalidade. Quem compreende causalidade, compreende Dharma. Tudo que existe é uma causa que precisa de uma condição pra que algo se manifeste. Quando a causa e a condição acabam, isso desaparece. Mas o que é condição de uma coisa pode ser causa de outra e efeito de uma terceira. Então é uma trama, é uma rede. Agora, quando você puxa uma rede, você não puxa só os fios, você puxa também as intersecções, os buracos e tudo isso vem junto. Quando você percebe que você é essa trama da existência e que o que você faz, fala e pensa, mexe na trama da vida, nós ficamos mais cuidadosos, mais respeitosos, porque é a lei de causa e efeito. O que você jogou no mundo vai voltar. E volta para você. É como um bumerangue, né? Você jogou, vai vir com a mesma força que você jogou.

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Agora nós estamos falando de Karma?

MONJA COEN De karma! (risos), que pode ser benéfico, neutro ou prejudicial. (risos)

No mundo da internet tem uns vídeos em que uma pessoa que fez alguma coisa ruim para outra leva um sopapo como resposta na mesma hora. Aí aparece a frase, “Karma is a bitch”, como se Karma fosse uma coisa ruim, mas não é, né? O Karma seria tanto positivo como negativo ou até neutro, ele pode ser neutro também?

MONJA COEN Pode ser neutro. Eu crio causas e condições. Por exemplo, nós estamos criando causas e condições aqui agora juntos, para que mais pessoas possam compreender o Karma, o Dharma, os ensinamentos. Então, isso é um Karma benéfico. Nós não queremos induzir pessoas a erro, não queremos induzir pessoas a dar coisas para nós, porque nós somos gananciosos. Ao contrário, nós estamos oferecendo ensinamentos para que as pessoas fiquem bem. Então esse é um Karma benéfico e vai voltar de uma forma, mas não é porque vai voltar pra nós de forma boa que nós estamos fazendo. Aí tem que tomar muito cuidado.

Entendi.

MONJA COEN Porque na hora que você tem a intenção, eu vou fazer o bem, porque eu vou receber o bebê de volta, você perde esse retorno, porque teve uma intenção que não era tão pura. Então, quando você faz o bem, você tem uma ação de cuidado amoroso, não é porque vão me dar de volta. Por exemplo, tem uns cachorrinhos aqui. Eles vêm e pedem atenção, a gente dá colinho, agrada… não porque eu quero que o cachorrinho goste de mim, mas porque é um serzinho que está ali pedindo afeto. Não estou esperando retorno. Ele pode até me morder depois, e se me morder é da natureza do cão morder. Mas não é porque ele vai ficar bonzinho para mim que eu estou agradando. Então esse lugar é muito delicado, essa diferença de vou fazer o bem porque vou receber o bem de volta. Não. Eu vou fazer o bem porque vai beneficiar muitos seres.

Eu estive há alguns anos na Tailândia, que tem a tradição Budista. Visitei alguns templos. A gente aprende antes de ir que você não pode tocar num monge. E lá, eu não vi mulheres monjas. Então, existem diferenças na forma de ensinar ou em algumas tradições do budismo de acordo com o local que você está no mundo, na Tailândia, no Japão e aqui no Brasil? Que diferenças são essas e por quê?

MONJA COEN Bom, existem muitas diferenças, né? A gente pensar que a árvore do Budismo, ela tem a sua raiz, a sua base, em Shakyamuni Buda, que viveu na Índia. Shakyamuni Buda foi o primeiro a ordenar mulheres. A ordem monástica feminina surge simultaneamente à ordem masculina, quase que imediatamente. No começo eram só homens. E aí ele vai visitar seus pais. A mãe dele morreu uma semana depois do seu nascimento, e a tia dele foi a mãe adotiva. E ele vai visitá-la, e ela diz “eu quero ser monja”. E a primeira coisa que ele diz: “mulheres não podem. Só homens que podem ser monge, porque se as mulheres saírem da família, como vai ficar a família, como ficam as crianças, como vai ser a educação”? E ele diz não, mas ela vai atrás dele e insiste. E ela tem quinhentas mulheres com ela. Vamos lembrar de uma sociedade que era patriarcalista e que a mulher só tinha resposta social em relação ao homem que a acompanhava, quer fosse marido, filho, sobrinho, primo. E tinham muitas guerras. Os homens iam para a guerra, e as mulheres geralmente não iam. Mulheres que não tinham nenhum parente masculino à sua volta, eram ostracizadas e acabavam ficando na pobreza. E Mahaprajapati, que é essa mãe adotiva de Buda, ela começa a trabalhar com essas mulheres, ensinar os ofícios de costura, de comida e ela tem um grupo grande de mulheres que a seguem. E quando ela pede a Buda “nós também queremos ser monges”, e ele diz não, elas não desistem, vão atrás dele. Então saem caminhando muito, muito tempo. E um determinado dia ele vai fazer uma palestra, um ensinamento e ela está na porta, e junto com o Buda entra o seu primo, Ananda, que era um grande amigo dele, um grande companheiro dele. E o Ananda vê a rainha, que ela foi uma rainha, com o pezinho machucado, toda sujinha e disse “eu vou interceder para a senhora hoje”. E Buda faz seu ensinamento dizendo “todos aqui na sala tem a mesma condição que eu tenho de acessar a verdade, a sabedoria perfeita, todos vocês”, e Ananda fala “mestre, eu posso fazer pergunta”? “Pode meu filho”. “As mulheres também”? “Claro que as mulheres também”. E aí ele faz a pergunta seguinte, “então por que não ordena a Mahaprajapati”? E ele vai ordenar a Mahaprajapati. Tiveram algumas regras para que as monjas obedeçam aos monges, estejam sempre próximo dos monges, inclusive como proteção física. E assim as duas sangas (comunidades) crescem juntas. O que acontece? Na hora da linhagem ser passada, existe uma lacuna histórica. Lembrando que muitas das mulheres não tinham educação, não sabiam ler e escrever, mas muitas eram monjas, mesmo assim não sabiam (escrever). Quem escrevia história eram os homens que sabiam ler e escrever. Existe uma lacuna histórica, então por causa dessa lacuna histórica, países como a Tailândia dizem, “se não tem, não sabemos desta monja, quem é a seguinte, nós interrompemos aqui linhagem feminina. E só vai continuar uma linhagem masculina. E nós não aceitamos, porque só Buda poderia restaurar essa linhagem”. Então, isso é a Tailândia. No resto dos países budistas, o que acontece conosco, mulheres budistas. Nós somos ordenadas por homens e atualmente por homens e mulheres. Então, o budismo que vai para a China, e na China tem uma linhagem que não foi interrompida, então a linhagem chinesa, e muitas monjas que não se consideram possíveis de ser monjas, porque a linhagem foi interrompida, vão receber os preceitos na China, porque na China teve uma continuidade que não foi interrompida. E no budismo japonês, que eu represento, os nossos professores disseram “não, vocês podem ser ordenadas por monges. E hoje atualmente nós podemos ordenar monges e monjas, leigos e leigas. Então, o budismo japonês, ele tem uma característica muito específica, que não faz diferenciação entre homens e mulheres dentro da ordem. Os religiosos, os professores podem ser tanto homens quanto mulheres, porque essa lacuna histórica foi considerada que ela foi preenchida pela prática. E a Tailândia mantém, mas veja, eu fui no primeiro encontro de mulheres budistas da Tailândia, 1991. Eu estava no Japão, treinando no Japão, me convidaram para ir lá. E lá, então, o que acontece? As mulheres se vestem de branco, elas raspam a cabeça e se vestem de branco, mas elas não chegam a ter os votos completos. E havia uma monja, já era bem idosa, que nós fomos visitá-la e que ela pôs o manto ocre e ela disse assim: “eu me visto de ocre. Eu me considero uma monja tão monja quanto todos os monges”. Então, mesmo dentro da Tailândia, que oficialmente não teriam mulheres com os votos completos, existe uma linhagem de mulheres e havia monges que protegiam esta senhora e esta linhagem.

O que é ser budista?

MONJA COEN É fazer o voto de seguir os ensinamentos do nosso fundador histórico, que é Shakyamuni Buda. Então, você receber o compromisso. Aquela roupa que você viu na Tailândia, que os monges usam, tudo amarradinho aqui do lado, isso aqui representa, porque quando o budismo vai da Índia para a China, a China é um país muito frio. Há áreas da China muito frias, e eles começam a pôr uma roupa por baixo daquele manto. E como depois eles vão se tornar agricultores, que na Índia era proibido, monge não pode trabalhar, monge não pode cuidar da terra, monge não pode ter criação de gado etc. Quando eles chegam na China, a situação é outra, não tem uma comunidade que mantém os monges. Você vê, na Tailândia os monges não saem pedindo esmola? E a pessoa não põe comidinha? Na China não existia isso, não tinha uma comunidade que fosse budista e que os sustentasses. E os senhores feudais precisavam dessa religião no país, era interessante para eles ter uma nova religião, eles vão apoiar os monges e os mosteiros. E os mosteiros começam autossustentáveis. Então, o monge vai começar a trabalhar na roça. Com toda aquela roupa amarradinha, era mais difícil. Então, eles criam o hábito e criam um manto pequeno, que para poder trabalhar, guiar carro, sair por aí. Cria uma situação que é um pouquinho diferente. Então, a China vai fazer essa modificação. Os monges vão ficar sedentários, que eram nômades, nunca ficava no mesmo lugar, né? Tinham vários lugares onde, na Índia, eles podiam se adaptar. Vão começar a ter mosteiros, centros de prática mais permanentes. Não só na época das monções. Então tem mudanças, mudanças históricas de países, de clima, que foram tendo adaptações. A minha tradição é japonesa. O Japão vai colher os ensinamentos lá na China, não chegam a ir para a Índia. Então, o que veio da Índia para a China, o personagem principal é o Bodidarma, Século XV, mais ou menos. Ele vai ficar no monte Shaolin, onde tinham os monges. Já existia Budismo na China. Ele vai levar o Zen. E ele vai nesse mosteiro no Monte Shaolin, onde os montes estão fazendo muitas reverências, muitas preces, muitas traduções, e ele vai ficar numa caverna. E ele diz assim: “a gente aqui vai fazer Zazen”. E ele fica sozinho nessa caverna. Diz que essa caverna existe lá e que na parede da caverna tem uma sombra que parece a imagem de um monge sentado, de tão forte que ele sentava lá. E aí vai aparecer um aluno que pergunta para ele, “o senhor me ensina”? E ele não se vira, ele está virado para a parede, na porta da caverna. Até que o monge, com neve até a cintura, gelado, desesperado, ele corta o antebraço, conta a história, né? Ele, pá! Cortou o antebraço. E dá um grito. E que aí Bodidarma vira e diz assim: “ah, chegou um discípulo”! (risos) É simbólico, né? Digo, se você não quiser se entregar completamente, você não acessa. Então, a pergunta que eu digo é, isso é uma pergunta que não pode se calar. Eu tenho que procurar a verdade, eu procuro incessantemente. Na hora que eu acho que encontrei, não dá para pegar. É alguma coisa que você não consegue segurar. E a pergunta continua. Por isso, não é uma pergunta que eu tenho uma resposta e parei: “agora já sei”. Não. Continua mais. Eu posso aprender um pouco mais, eu posso me aprofundar um pouquinho mais. Esse (relato do) Bodidarma com o sucessor dele é o simbólico disso. Dizem que realmente esse monge não tinha o antebraço, mas que podia ser que ele tivesse perdido noutra circunstância, e não exatamente que ele cortou ali na frente do professor, mas é o simbólico da dedicação que precisa ter e da pergunta que tem que ser verdadeira, que tem que vir lá de dentro, de você mesmo. Tanto que falam, quando for falar com o Buda, se não perguntasse três vezes ele não respondia. Perguntava, dava uma voltinha em volta dele, fazia uma reverência e perguntava… porque se a pessoa está perguntando da boca para fora, ela não tem a pergunta verdadeira. E a provocação é essa: “sabe qual é a sua pergunta”? Isso eu faço para todos.

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A gente sempre quer a resposta e não para pra pensar que a pergunta é importante.

MONJA COEN O mais importante é a pergunta, não é a resposta. Porque a minha resposta pode não servir para aquela pessoa naquele momento, ela pode não ser cabível. Você não conhece a história de cada um. Você não sabe de onde está vindo, né? Eu tenho uma certa dificuldade, algumas pessoas querem “ah, quero me consultar a senhora”. Não, você tem que praticar comigo uma consulta hoje em dia não é suficiente. É como médico, a gente vai ao médico, ele perde uma porção de exames, quer saber sua história, porque que está doendo, onde. Não é assim “ah, doutora, eu estou com um problema, “vou resolver”. E eles têm a impressão que com a prática espiritual é uma coisa mística, assim, mágica, que você olha para a pessoa: “já sei o seu problema. Vou curá-lo”. Não é bem assim. A pessoa precisa querer a cura e precisa se esforçar. Eu gosto muito do fundador da nossa ordem no Japão, ele é do século XIII, Mestre Dogen. Ele dizia assim: “prática é realização”. Não é que você vai praticar e um dia você vira, não. No momento em que você já se sente Zazen, você é um Zazen, e você é um Buda sentado, porque você faz o que Buda fazia. E não é dizer que Buda sentava, imediatamente ele entrava no quarto estágio de meditação. Não entrava nada. Ele é um ser humano. Tanto que quando a gente conta a história do seu processo de iluminação, ele fica uma semana em meditação. E vai ser tentado por tudo, por sexo, por beleza, por conforto, por alimento, por preocupação com o pai, com o filho, com o dinheiro, com emprego, com tudo. Então a gente leva mais ou menos uma semana para deixar tudo isso e se acalmar. E aí tem a virada, porque eu paro de ficar pensando “ah, eu vou embora daqui porque eu vou deitar numa caminha. Ah, minhas costas estão doendo, eu quero parar. Ah, como é que será que está a minha família? Vou telefonar”. Você fala, “não faça nada disso”. E as tentações de Buda, a última delas, que é o rei dos demônios, que chega para ele e diz assim: “agora você é mais que os outros”. Essa é a última das tentações, o orgulho. Eu, separada dos outros, eu melhor que os outros ou pessoas que tem depressão falando eu soupior que os outros, eu não tenho jeito, são os dois extremos absurdos. E outro é não se igualar. Não tem gente que se iguala? Aí sou igual a você. Não é igual. É semelhante. E cada um tem seu papel e sua posição, que não são fixas. Elas também estão se alterando o tempo todo. O Mushin (o amigo Paulo de Tarso), por exemplo, ele começou praticando com o budismo tibetano, fez várias procuras espirituais na sua vida há muitos e muitos anos. Lendo de várias tradições filosóficas, espirituais, procurando aqui, ali e acolá e aí de repente ele encontrou o Zen e encontrou essa afinidade, tanto que ele abriu uma sala de prática de meditação Zen, porque foi onde ele encontrou maior afinidade, mas ele não joga fora seu passado. Não tem isso. Na hora que eu encontro uma coisa nova, eu não jogo o que eu já fui. Ele vem junto comigo. Continua comigo. Só que agora eu dou um foco que vai mais nessa direção. Então, não é que eu preciso jogar fora quem eu sou, “vou descartar a pessoa que eu fui até agora porque agora eu vou ter uma grande transformação, vou virar outro ser”. Não, é você mesmo no processo contínuo de transformação, em movimento.

Com uma onda no mar…

MONJA COEN Isso!

Monja, eu gostaria muito de agradecer a suas palavras, a atenção, o carinho e só pedir que você mandasse agora uma mensagem direta aos piauienses.

MONJA COEN (com a voz bem serena) Piauienses… gente, acorda, desperta! Não tem tempo a perder, a vida é curta e é tão maravilhoso quanto você desperta. Tudo fica brilhante, luminoso e mesmo as tristezas, você passa por elas, elas passam por você, mas você sabe o que fazer, você aprecia a sua vida e cuida com mais respeito de tudo que existe, do bichinho, do inseto, da planta, das pessoas, do cuidado amoroso com você e com o mundo. Acorda. Desperta!

Obrigado.

Dário Castro

Escritor, Jornalista e Mestre em Estudos Culturais.
Contato: [email protected]

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