Observando o horizonte em silêncio, a pedra meditava no penhasco.
Pousou sobre ela uma borboleta, tirando-lhe a concentração.
-Vai procurar uma flor!
Disse a pedra.
-Sai daqui!
Insistiu.
A borboleta nada respondeu.
A pedra irritou-se. Tentou mexer-se. Não conseguiu. Decidiu ser taxativa:
-Borboleta, eu quero que você saia de cima de mim. Por favor.
A borboleta não esboçou nenhuma reação.
Nesse instante, a pedra ficou enfurecida. Gritou um grito mesozoico. Tentou mexer-se novamente. O resultado foi exatamente o mesmo. Nada.
A borboleta lá permanecia, como se impossível fosse que uma pedra esboçasse telúrica fúria.
De repente, o chão começa a tremer. A borboleta voa para longe. A pedra começou a deslizar no penhasco. Ela foi ganhando velocidade, rasgando o chão por onde passava, até que caiu no desfiladeiro, à beira do mar.
Enquanto despencava, ela pensava na vida e na morte, nos momentos de alegria e no sentido do universo.
A pedra bateu na água, que se espantou e abriu caminho. Afundando, ela já não sabia no que pensar. Após longos minutos, tocou em algo e repousou no assoalho do mar. Estava sobre um coral, num mundo novo e fascinante, repleto de cores incríveis.
Enquanto se maravilhava com seu novo e aquático lar, sentiu algo rastejando sobre suas costas e subindo em busca de abrigo no topo.
-Quem está aí?
-Oi, sou o Polvo.
-Prazer. Meu nome é Pedra.
-O prazer é todo meu.
-Assim… não tenho outra forma de dizer isso, mas… não gosto que fiquem em cima de mim. Você pode sair?
-Mas é claro. Desculpe.
O polvo desceu e espreguiçou-se ao lado da pedra, sobre o coral, que pediu com delicadeza:
-Por favor, vocês dois, saiam de cima de mim.
O polvo foi embora protestando e lançando uma tinta escura nas águas. A pedra ficou, como pedra que era, parada. Ela disse:
-Não consigo. Não consigo me mexer.
-E como veio parar aqui, se não consegue se mexer?
-Não sei. Tudo tremeu e eu caí lá de cima.
-De onde?
-De cima. De fora.
-Que cima? Que fora?
-Fora da água.
-Fora do mundo?
-Não. O mundo continua além da água.
O coral pausou por exatos seis segundos e disse pausadamente.
-Olhe, eu não nasci ontem. Além disso, sempre fui muito observadora. Sei reconhecer uma fake news a mil nós de distância.
A pedra tentou interromper, mas foi ignorada.
-Então, Pedra… posso dizer com toda a certeza do mundo que… ou você está ficando doida ou está pensando que eu sou besta. Agora saia de cima de mim, por favor.
Sem ter o que fazer, a pedra fez o impossível. Concentrou-se e mentalizou que levitava. Sentiu seu corpo leve e dormente. Manteve a concentração e o pensamento positivo. A sensação única de liberdade enchia a pedra de alegria.
Quando finalmente abriu os olhos, ficou surpresa com o que viu. Estava no mesmíssimo lugar. E lá ficou até que o fundo do mar virasse sertão.
Hoje, evoluída, transcendida, experimentada e viajada, ela vive num morro próximo ao povoado Japecanga, no interior do Piauí. Borboletas vêm e vão, sem jamais dizer uma palavra.
A pedra não se importa mais.
Lindo! Esse texto é um misto de fábula com apólogo. 👏👏👏